Mulheres Indígenas da Amazônia: mobilização social e política partidária

Viviane Heringer Tavares, Doutoranda - PPGAS/MN/UFRJ

O território que hoje conhecemos como Brasil foi palco de intensas ações violentas consideradas de “ocupação”, “conquista” e “colonização”, com grave prejuízo para povos indígenas. Na região da Amazônia brasileira, em face à comparativa preservação territorial, os conflitos territoriais marcam a região de maneira intensa. A atuação política indígena vem se mostrando uma frente fundamental para proteção territorial e socioambiental, inclusive por meio de denúncias, em momentos extremos. O período de maior impacto na Amazônia, no entanto, se deu durante os governos militares, em que foram instituídos uma série de projetos considerados de “desenvolvimento” para o país. A Amazônia brasileira foi o alvo preferencial dos governos militares, utilizada como fonte de (supostos) crescimento e expansão do país, em termos econômicos, sociais e políticos, com objetivo de ocupar terras de povos e comunidades tradicionais e explorar recursos naturais (LACERDA, 2014).

Posterior ao período dos governos militares, as consequências da intervenção sobre a região tornaram-se visíveis: conflitos socioterritoriais, assassinatos de lideranças, acusações contra entidades sociais de defesa desse território. Sob pressão, os governos seguintes buscaram a implementação de projetos ambientais de preservação da Amazônia. No entanto, o interesse pelo chamado “desenvolvimento” do país não abandonou os interesses dos governantes que mesmo que no discurso apontassem para a necessidade de preservação, deram continuidade às práticas do período militar (SERRA e FERNÁNDEZ, 2004). Nesse sentido, as desigualdades sociais se tornam cada vez mais evidentes, em prejuízo para grupos vulnerabilizados, inclusive os indígenas.

Em 1988 adentramos o período de redemocratização, que intencionava garantir que os direitos de todos os cidadãos pudessem ser efetivados, no entanto, o que se esperava a partir da expressão de direitos no texto constitucional, não foi o que se viu nos últimos trinta e dois anos na prática. A representação política do país, em sua maioria, se encontra nas mãos de um mesmo grupo social, nada diverso. Em 1988 tem início o surgimento de movimentos indígenas, esse fato se dá a partir da mudança da atitude política desses povos frente ao estado, buscando seus direitos através da legislação e da luta política de maneira mais ampla. Os movimentos indígenas crescem nesse período vendo a possibilidade e necessidade de buscar maior participação nas instâncias políticas. Os movimentos não crescem apenas com a presença dos homens indígenas, mas a partir desse mesmo período, as mulheres indígenas já começam a se organizar em grupos e movimentos.

A entrada das mulheres indígenas nas instâncias de decisão da mobilização indígena a partir, mas também para além, das aldeias, tem reflexos no crescimento da participação nos processos eleitorais que ultimamente ganharam visibilidade nacional. Da mesma forma que as mulheres indígenas ocuparam espaços de representatividade em instâncias locais de organização, chegaram no campo das disputas eleitorais, realizando candidaturas para representarem seu povo nesse espaço tão complexo de disputa. A investigação que realizei entre 2019 e 2021 teve como objetivo analisar a participação de mulheres indígenas da Amazônia nos processos eleitorais. A pesquisa esteve embasada, em grande medida, pelas perspectivas da investigação “Desigualdades, Violências e Violações de Direito na Amazônia Brasileira,” que considera a necessidade e urgência de trabalhos acadêmicos que evidenciem as particularidades e problemáticas que permeiam essa região. Assim, analisar a participação de mulheres indígenas nos processos eleitorais passa por compreender as especificidades desse contexto que as cercam e, como pergunta, saber como esse pertencimento ocorre.

Pesquisa sobre mulheres indígenas na política

Fiz meu primeiro trabalho de campo em 2019, na cidade de Santarém, no Pará. Estive na cidade por dez dias, com o objetivo de realizar uma pesquisa com lideranças indígenas. Neste primeiro trabalho de campo, realizei sete entrevistas, tendo estabelecido contato com as lideranças por meio dos seus perfis em redes sociais e por meio de contato com pessoas da cidade – agradeço aqui a Telma Bemerguy e a Rodrigo Oliveira. A coleta desses dados foi de suma importância para o desenvolvimento desta pesquisa, possibilitando analisar relatos e experiências de mulheres indígenas organizadas em diferentes coletivos e movimentos sociais, e também a experiência de candidatura política de uma dessas sete entrevistadas, o que se tornou material central para a pesquisa.

 Minha segunda pesquisa de campo ocorreu também no ano de 2019, quando acompanhei a I Marcha das Mulheres Indígenas, cujo tema foi “Território: Nosso Corpo, Nosso Espírito”, ocorrida em Brasília. Esse evento é um marco importante na caminhada das mulheres indígenas do Brasil. A marcha reuniu mais de 2000 mulheres, de mais de 100 povos. Foram 4 dias de evento, onde ocorreram reuniões, assembleias, danças, cantos, manifestações. Acompanhando o evento foi possível ouvir falas que incentivavam à participação das mulheres indígenas em diferentes espaços de representação, com destaque para a participação de mulheres indígenas em pleitos eleitorais, nos três níveis da federação.

Foto: Viviane Heringer Tavares, “I Marcha das Mulheres Indígenas” 12/08/2019, Brasília – DF

Além desses dois trabalhos de campo, essa pesquisa se baseia na análise de redes sociais de lideranças indígenas que foram candidatas em processos eleitorais. O período de 2020 foi marcante pelo contexto de pandemia que impediu a realização de muitas pesquisas presenciais. No entanto, esse cenário abriu novas possibilidades, ao longo do ano cresceram o número de lives e outras participações de mulheres indígenas de diferentes regiões do Brasil, tornando possível ter um amplo material disponível para a pesquisa.

Participação indígena nos processos eleitorais

É possível visualizar um movimento histórico de atuação de mulheres indígenas no Brasil através da construção de movimentos específicos que representem suas pautas e reivindicações. Esse cenário de crescimento reflete-se também no aumento de suas participações em processos eleitorais, não se tratando, em sua maioria, de processos decisórios individuais, mas caminhos de construção coletiva que podem ser vistos como tendência política do cenário atual. Ao analisarmos a história dos povos indígenas do Brasil, percebemos que a sua organização enquanto movimentos indígenas foi de constante luta por direitos. Uma das feições mais recentes desses movimentos são as candidaturas indígenas nos pleitos eleitorais, e de forma mais específica nesta pesquisa, as candidaturas de mulheres indígenas.

Em 2014, foram candidatos 85 indígenas, sendo 27 mulheres indígenas. Em 2016, segundo dados disponíveis no site do Congresso em Foco, houve 1.604 candidaturas indígenas, sendo que 27,62% dessas candidaturas foram de mulheres indígenas. Em 2018, segundo dados vinculados ao Tribunal Superior Eleitoral, instância jurídica máxima da justiça eleitoral brasileira, mostram que na eleição de 2018, do total de 29.203 candidatos em todo o país, 133 são indígenas, sendo 49 mulheres. Em 2020, o ano em que realizei a pesquisa, foram registradas 2.173 candidaturas indígenas, sendo 33% de mulheres indígenas (DE PAULA e VERDUM, 2020).

Material produzido pela “Campanha Indígena” e publicado na rede social de Sônia Guajajara no dia 14 de novembro de 2020

Assim, especialmente nos últimos dois processos eleitorais, de 2018 e 2020, foi possível enxergar o crescimento e força dos movimentos indígenas nas candidaturas que disputaram as eleições, uma das hipóteses discutidas pelos pesquisadores Stephen Baines e Luís Roberto de Paula, e destacadas na matéria da DW Made for Minds de 2020, é de que os indígenas têm afirmado politicamente a necessidade de disputar esse espaço como forma de enfrentamento das ameaças, principalmente contra suas terras. Um movimento marcante foi a “Campanha Indígena”, que tinha como uma das chamadas “Parente Vota em Parente”. Sem restrição partidária, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) levou apoio para candidaturas indígenas, entendendo a importância de ter indígenas que se preocupam com as demandas de seu povo. Esse movimento, enquanto campanha eleitoral, é algo novo dentro dos movimentos indígenas, é um projeto eleitoral construído nos últimos anos, se consolidando principalmente em 2017, com o manifesto construído pela APIB “Por um parlamento cada vez mais indígena”. Desde então, se discute cada vez mais a necessidade de candidaturas indígenas nas disputas eleitorais. O movimento “Campanha Indígena”, através de seu site oficial, lança o seu chamado a candidaturas de parentes, o indicativo é da necessidade de uma reforma em toda a estrutura do sistema político, mas enquanto ela não ocorre, é fundamental que os povos indígenas adentrem o espaço da política eleitoral e que todas as estratégicas, políticas, partidárias e acadêmicas, possam ser realizadas em apoio às decisões coletivas de seus povos.

Referências

DE PAULA, Luís Roberto de; VERDUM, Ricardo. 2020. Mapeamento preliminar das candidaturas autodeclaradas indígenas para os cargos de prefeito, vice e vereador nas eleições municipais de 2020. Disponível via: http://www.aba.abant.org.br/files/20201007_5f7e126bf19a1.pdf

LACERDA, Paula Mendes (Org.). 2014. Mobilização social na Amazônia A luta por justiça e por educação. 1. ed. – Rio de Janeiro: E-Papers.

LUPION, 2020. DW: Made for minds Brasil. Número de indígenas eleitos para cargos municipais cresce 28%. Disponível em: <https://www.dw.com/pt-br/n%C3%BAmero-de-119ind%C3%ADgenas-eleitos-para-cargos-municipais-cresce-28/a-55716123>. Acesso em: 07/01/2021

SERRA, Maurício Aguiar e FERNÁNDEZ, Ramón García, 2004. Perspectivas de desenvolvimento da Amazônia: motivos para o otimismo e para o pessimismo. Economia e Sociedade, Campinas, v. 13, n. 2 (23), p. 107-131, jul./dez.

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